Thursday, February 26, 2009

Segue só pela pele quente que se arrepia
A mão que sendo só conquista esguia
Levando em seus dedos os aromas de uma noite
O tabaco o perfume e a bebida
Reunidos numa receita nocturna embevecida
De uma mística reunião de sentidos
Estando as almas a cima dos corpos
E os corpos acima deles mesmos
É claro o tom vermelho da taça de vinho difusa que aquece
E se a secura da garganta se faz de tentação
Se teus olhos servem de alucinogénio puro
Se a tua boca é meu ópio
Ora doce sedução que é passar minha mão
Por teu corpo quente... arrepiado
E quando as almas se amarram por entre os corpos celestes
Quando nem o cosmos as contém
É ver a luz que se estende cerrada por entre as frinchas das janelas
E soltar um ultimo e derradeiro abraço

Wednesday, February 25, 2009

Mofala Zangado - O Herói de Sangala

Há coisas que não merecem ser contadas
Casos que não devem ser divulgados
Há historias estóicas que devem manter-se no silêncio

Ressoa um boato em Sangala
Sobre os actos de bravura de um velho herói
Que tem em seu sangue uma vontade espalhada
E dele reza a lenda que nem tinha espada

Forte e robusto pelo sol treinado
Desafiou as forças da natureza num corço montado
Diz-se por aí que dobrou montanhas e levantou mares
Que matou dez mil homens com meros olhares

Mofala Zangado viveu em Sangala
Teve seis mulheres e filhos de sobrar
Foi um grande herói e sem saber porquê
Tudo fala dele, mesmo aquele que não vê

E quando as crianças não querem comer
Mofala Zangado vem para as obrigar
Já dizia a avó ao neto amuado
Se não comes tudo: Mofala Zangado!

Monday, February 23, 2009

Bom Dia II

Falta qualquer coisa a este sujeito
Não sei sequer o que hei de dizer
Digo-o por ver o que se passa no espelho
Eh co raio do fedelho faz cada trejeito

Se lhe perguntam seu nome, ele treme ao dizer
Se lhe toca o telefone gagueja ao atender
Falta qualquer coisa a este sujeito
Não sei dizer nem ao certo explicar

Se lhe apetece gritar jamais o fará
Teme que o ódio fale por ele
E nem desconfia que a consumição
Se faz de engolir a tal humilhação

E voa baixinho, quando alto voou
Buscando de novo o que não encontrou
Leva consigo só mais confusão
De paredes timbradas de indignação

E quando se esconde em total solidão
Procura em seus pés um rasgo de ilusão
E pede a Deus que lhe acenda uma luz
Dizendo baixo que o impossivel seduz

Se a noite só traz um triste sentimento
Vamos dar as mãos e criar movimento
Gritemos bem alto que sim e que sim
Que não, não é hora de chegar ao fim

E se lhe for permitido acordar de manhã
Dirá que está salvo mantendo o ressalvo
Mas decerto expressando que o dia trará
Algo bem diferente que se expressará
Sob formas concretas de bens ideais

E é esta a tradução no mundo dos mortais.

Bom Dia.
Há meandros pegajosos que habitam em Lisboa
Estendendo seu tapete viscoso desde Alfama a Madragoa
Apanham seus súbditos em súbitos vícios viciantes
Que os fazem tornar a voltar perdidos e errantes

Trazem em bolsos distintos
Desejos famintos
De saciar sua fome
De quem há mil anos não come

Levam tiram, partem vão
Dilaceram o destino
Nunca pedem perdão

E quando á noite rodam na cama que já não os embala
Levantam-se de mansinho e passando pela sala
Levam um pouco do recheio
Para rodar no meio

E voltam à cidade que os espera faminta
Pela sua injecção de capital sub-urbano
Para essa economia de subterfúgios
Que se esconde em vielas por entre mil refúgios


Despeja em seus homens cinzas decadentes
Pós dos consumidos que não podendo fugir
Giraram, giraram, sem sitio pra ir

Brancos serão, branco é...
Brancos serão, branco é...

Sunday, February 22, 2009

Frágil

Frágil vagueia pela cidade empedrada
Tropeçando no copo, na garrafa
Descobre atrás de uma parede uma praça
Embriagada rodopia para um ralo fundo

Pedra a pedra se consome o meu chão
No banco do jardim está sentado um tornado
E nele um cavaleiro montado

Segue a viagem o personagem principal
Num súbito instinto carnal
Olfacto apurado de seu púlpito espreita
Desce e se esgueira pela porta direita

Soma e segue caminhos estreitos
De onde escorrem regos de agua perfeitos
Sujos, conspurcados...

Não tendo nada para dizer
Foge da sua sombra moribunda
A sua alma fecunda
Segue, Frágil... Pela cidade empedrada.

Friday, February 20, 2009

Podia jurar ter-te visto à janela

Podia jurar ter-te visto à janela
No dia em que pela primeira vez foste capaz de te livrar dela
Tiraste-a do teu corpo com pedra de sal e sabão
E depois escondeste tudo num garrafão

Podia jurar ter-te visto à janela
No dia em que pela primeira vez te vi sorrir ao sol
Reluzente de tão branca tua testa singela
Também ela estava feliz por lá estar, a janela

E se uma voz forte e quente ao telefone te disser
Sai de casa e mete-te no primeiro taxi que vier
Eu seguir-te-ei por essa estrada fora
Mesmo que vás para lá da zona em que ela mora

Se isso acontecer, por vontade ou por desalento
Posso estar certo que no seu rosto apenas restava tormento
Do excesso que tens mais não te convém
Segue em frente acelera


Depois se falaremos ao serão
Do dia em que pela primeira vez foste capaz de te livrar dela
Tiraste-a do teu corpo com pedra de sal e sabão
E depois escondeste tudo num garrafão
Não foi tarde nem cedo

Podia jurar ter-te visto à janela

Tuesday, February 17, 2009

Partida

Tomei o comboio na estação da Castanheira, depois que o Calhau deixou de me abraçar. Um homem fardado veio à plataforma dar avisos de corneta, uma atenção nova centrou a atenção de todos. E, bruscamente, entre dois grandes penhascos, o comboio rompeu enfim como um rancor subterrâneo, alucinado de ferros e fumarada. E tive medo. Pela primeira vez estremeci de medo até aos limites da vida, não tanto, porém, da fúria do comboio, como dessa coisa insondável e enorme, tão grande para mim, que era partir.
Partir, deixando para trás uma história fraterna e os cozinhados da Tia Augusta. Partir também, por sentir ser esse o meu caminho, muito embora, precipitado pela carta que recebera faz três dias. Embora amedrontado, segurei forte a saca de estopa que carregava os meus escassos pertences, assomei-me à janela para fitar pela última vez o olhar saudoso do meu primo Calhau, que ocupava agora a sua mão esquerda com a tarefa de esconder a lágrima que tanto queria debruçar-se para escorrer pelo seu rosto. Ele estava crescido, pois estava… Não queria chorar para ser como o seu pai, um homem forte e valente. Ele já o era, mesmo pensando que era preciso não chorar para o ser. No meu bolso carregava a carta que tinha recebido de minha mãe, que se encontrava com o meu pai, emigrada, em França, e, na minha cabeça, ainda giravam as palavras soletradas pela Tia Augusta: “Meu querido filho, já temos o suficiente para que venhas ao nosso encontro…” no fundo, eu sabia que não seria bem assim, que as coisas não estavam fáceis e que a doença do meu pai só veio agravar a situação, o que de facto os consumia era que eu fosse chamado para cumprir o serviço… para ir à guerra.
E, para que isso não acontecesse eles fariam qualquer esforço.
À beira de alcançar a maioridade, ia eu sentado, sentindo na pele fria o frio dos bancos de couro da carruagem que rumava a todo o vapor para Vilar Formoso. Se lá na frente distintos senhores liam periódicos, cá para trás restavam uns quantos semblantes tristes, e, mais do que os rostos, eram as malas de cartão, presas com atilhos de cordel cheios de nós em todo o seu comprimento. As palavras da minha mãe pesavam-me no bolso, tanto, que sem dar conta nunca cheguei a largar a lapela do casaco, contudo, confortava-me a paisagem que se arrastava colorida com o sabor da velocidade na janela poeirenta. A cada passagem, um novo quadro, que, por ser primavera era de todas as cores pintado, graças às flores que despontavam em todo o seu fulgor.
Pensava para mim, que se naquele dia fosse uma flor, seria uma flor de pétalas cerradas, amedrontada pelo desconhecido, pelo frio, pela chuva, pelo desconforto exterior. Mas como cabe a uma flor abrir-se, dar seus frutos, e, depois murchar, cabia-me a mim também cumprir o destino que a natureza me conferia. Tinha de enfrentar aquele momento e os que se seguiriam, com coragem para poder vingar, tinha de me abrir para o mundo, tinha de ser forte…
Se, mentalmente me sentia impotente, no peito, transportava uma força quase tão grande como a da locomotiva que avançava galopante sobre os carris de metal. Era um jovem viçoso, traço característico da idade, bem sei, mas nunca deixei de desconfiar que tal viço se devesse em grande parte aos cozinhados da Tia Augusta, que não deixara de me preparar para a jornada uma deliciosa merenda, com luxos, que eles mesmos, só tinham nas mais festivas ocasiões. Desde o presunto, à marmelada caseira e às sandes de torresmos, no embrulho, não faltava nada… Um autêntico cabaz de sabores e de recordações que me apetecia guardar para sempre, não fora a fome por saciar.
Já levava duas horas longas de viagem, e, já me tinham dito que de Castanheira a Vilar Formoso ainda faltaria pelo menos outro tanto. Não me importava com o tempo, para além de ter muito, naquele momento, ele era meu conselheiro e encorajador. A morosa viagem era então forma de me fazer pensar sobre mim próprio, coisa que até à data não era hábito frequente. Apertava-me a barriga o pensamento sobre o desconhecido e sobre a outra realidade que iria encontrar quando chegasse a França, bem diferente daquela que eu conhecia, a da pureza do campo. Ao mesmo tempo, estava feliz por saber que ia rever os meus pais, era aquilo por que eu mais ansiava desde da sua partida, há cinco anos. Mal podia esperar pelo momento em que voltasse a sentir o abraço da minha mãe, e o cheiro dos seus cabelos.
Naquela altura ainda não estava bem ciente de que aquela viagem era apenas uma onda no mar de mudanças que seria a minha vida a partir daí. Como a flor, era chegada a minha altura de florir. Para mim, havia chegado a Primavera.

Camille Pissarro, Lordship Lane Station, Dulwich, 1871.


O 1º Paragrafo não é de minha autoria é sim um mote de uma conhecida escritora que quando souber referirei o nome.

Monday, February 16, 2009

Vamos lá para morrer
Vamos lá para vingar
Vamos lá sem saber que pedaço levar
Vamos lá mas sem pressa, que o prato frio sabe pior

Vamos lá de manhã...
Ou ao fim da noite...
Vamos lá sob o escuro ou sobre a penumbra
Vamos lá de mansinho e com astucia

Vamos lá ver então quem é que manda aqui
Vamos lá ver então de matéria somos feitos.
Vamos lá ver então se o fim se adivinha

Vamos lá!

Monday, February 09, 2009

Pois não, pois é

Então, pois não, pois é
Tira a mão deixa o pé
Pois não, pois é

Pois sim, vem cá não doi
Isto é coisa que moi
Não doi não doi

Remoi, remoi, então
Ouve o teu coração
Pois não, pois é

Assim enfim p'ra mim
Deixa estar tudo assim
Para sempre aqui

Passado é então guardado
E lá longe enlatado
Pois não, pois é

Presente é então assente
Ele é que é pr'a estar
Pois não, pois é.

Wednesday, February 04, 2009

Simplesmente

Há dias em que é simples o movimento paralelo dos acontecimentos
Dias em que a fome surge naturalmente antes da comida
Dias em que depois do vermelho vem o verde
Dias em que o céu está cinzento e chove

Enfim... Sinceramente já nada disto me comove
Tudo isto é banal, e por ser assim, também os passos seguintes são banalmente arquitectados por mim
Dentro da minha cabeça, louca de tantas teias de aranha
No meu intimo onde ascendem bolas de oxigénio de tão activo

Se fosse agora 2005 eu diria muito bem, pois bem.
Se fosse agora 2006 eu diria, não há problema, sou eu
Se fosse agora 2007 eu diria, tenham pena
Se fosse agora 2008 eu diria au!

E por ser 2009 eu digo que já sei, que já vi
Que já chorei, já sorri, enfim... Também eu já o senti
É o filme da 4 em loop loopado

É o fatídico fado cantado, por uma Amália
Que hoje em 2009, já conheço... melhor do que nunca.

É 1:43, e tenho que me deitar cedo... Boa Noite (aqui eu assopro, a vela apaga-se e tudo fica...) exactamente. Comentem seja quem forem... Qualquer coisa.

Sunday, February 01, 2009

Ouço o som das mãos a criar movimento
A chorar não por fora, mas por dentro
Do teu olhar de luz, criar o frio
Cheira a vela que se consome fio a pavio
Pavio aceso preso em teus gélidos brancos dedos
Que levam minha fala a contar-te segredos
Pronto, é óbvio. Merda para ti.
Tinha de ser com segredos.
Insensatos pecados que aguardam, mortais em caves guardados
Apodrecem envenenados, fermentando ao frio num crepúsculo vazio
Um rio de insanidade leviana, um duo de alma profana
Uma corja grosseira sem eira nem beira
Um bando de escarafunchas, escarafunchosos, difusos mal cheirosos.
Resto eu, abrigado do frio, sob o pano fino vazio de fazenda creme
Possa eu ter como ultimo repasto, algo de tão pequeno vasto como um verme
Verde por fora e podre em seu cerne, por ele feito e por ele eterne
Descanse agora em paz pois não,
O Rei foragido e o seu ducado, que quando por ele tocado
Morre em cinzas tal não é o condão do seu pobre jeito
Que por um malfeito, mata em terreno alheio
Dando então como seu condado seu misero ducado imperfeito
Não restando nada mais para ver no seu podre suplantado leito.
Já mais então refeito.

André e Rui

How Many