Thursday, December 16, 2010

Beija-me

Equaciono uma escrita verdadeira
Enquanto os dedos mentem sem parar
Soluço e danço, esquecendo os princípios
Classifico os medos e apelido as sensações
Escorrego para os braços de uma árvore
E sorrio na solidez de uma noite bem dormida

Solto sem querer soltar
Embarco sem querer voltar
Esqueço sem sequer pensar

Não sei se estou nisto por opção
Se escorrego sempre de propósito
Duvido dos meus passos
Na certeza de um chão que não me escapa

Abraço a saudade
Sem esquecer o temor de já não a sentir
Invisto contra o meu rosto no espelho
Na esperança de agarrar o que é efémero

Solto sem querer soltar,
Embarco sem querer voltar
Esqueço sem sequer pensar.

Thursday, September 30, 2010

Laço Preto do Cabelo

Invadi os claustros do teu corpo, enquanto as sebes ainda despontavam.
Descobertas à parte, libertei-te de um passado estranho.
Estavas de luto, como se o branco se tivesse desvanecido do teu molde de princesa.
Os espaços, eram para ti simples retalhos do tempo, invadidos lenta, e, docemente pelos teus finos pés.
As sombras, memórias permanentes de um passado lacrado a sangue, empoleiravam-se vertiginosamente sobre os teus ombros, de onde pingavam, transformadas em orvalho.
No ultimo fim de tarde de Setembro, ao pé do rio, debaixo do sol e das gaivotas, abracei-te com o meu manto branco.
Soluçaste, chorando, no ultimo som, de que de ti tenho memória.
Vazio ficou o manto, restando apenas no chão, perdido e triste, o teu imaculado, laço preto do cabelo.

Wednesday, August 18, 2010

Se calhar não

Malditas séries de vampiros. Estou sempre à espera que alguém acabe de ver a "lua vermelha" para poder sair, ou para poder falar, ou para poder jantar. Podiam passar os Simpsons em horário nobre... mas aí vinham os dissabores. Imaginem uma versão dos Simpsons dobrada em português, nada contra a malta do norte, mas aposto que como sempre as vozes seriam lá de cima. Não deixaria de ser hilariante ouvir o Homer a falar "axim", ou ouvir o Bart a dizer - "Ai Carago!".
Voltando às actuais séries de vampiros, porque raio é que os vampiros são sempre estudantes do secundário ou então pseudo-russos com casacos compridos. Não estariam eles bem numa casa assombrada no meio dum bosque qualquer? Não! Têm de ser alunos do secundário. Devia haver uma série de vampiros em que eles se encolhessem com um qualquer nanominimizadorvampiríco para se infiltrarem num infantário. Tinha potecial. Não tinha? - se calhar não.



Friday, August 13, 2010

Estranho... como eu

Relembras as cores das palavras ditas
Nos sussurros gelados que estalaram os medos siameses,
Descrevi um traço na confusão
Enquanto com a outra mão escondia a paisagem

Não desisto da invenção daquele estado feliz
Nem das provações que nos levam à vitória
Muito embora, porém, devê-se esconder as etapas

A astucia vencendo a queda
Numa atitude sábia

Afinal porque te amarram as cordas e os braços se entrelaçam nas pernas?
Não sei, ninguém sabe....

(olha, isto está sem jeito nenhum, e não vejo um fim decente para figurar aqui, está o que está.. e está estranho - como eu)

Sunday, July 25, 2010

Longe de mim

Esqueci as rimas
Não sei de cor as cores do teu cabelo,
Anseio quente, inquieto, o tom da tua voz
Pressinto o dia em que o teu calor se fará meu, no meu peito
Vejo-te ao sol, com paz
Em casa, sentada no chão de madeira, fazendo parte de mim
O teu cheiro nos livros e nos roupeiros
A tua luz livrando o ruim das ruínas
Como se um sopro varresse todas as poeiras do tempo
Um sonho real em que durmo nos teus braços

Longe do tempo, longe de mim.

Monday, July 12, 2010

Era dia de olhar para dentro

Era dia de olhar para dentro. Os detalhes do pão que se amassava sobre a mesa eram visíveis até ao pormenor microscópico. No castelo, o Rei aborrecia-se a ver o pobre bobo que se esforçava para repetir sempre a mesma coisa com aquela expressão de doloroso divertimento. Uma criada fazia amor com um guarda, nas catacumbas onde se armazena a farinha. As ratazanas fugiam assustadas para o esgoto que se debruçava em cascata sobre o rio. O rio corria em fino deleite em direcção ao dorso verde que o conduzia em braços até ao mar. Certa princesa lia sob a sombra das laranjeiras floridas que a guardavam de toda a perversidade do mundo. Os cavaleiros ensaiavam batalhas ao som das trovas épicas que entoavam a par de um bandolim já bebido.
Os cães cheiravam-se. A panela negra já fervia na fogueira com o almoço dos homens.
A pureza rosada da terra desvanecia-se nas faces rosadas de uma jovem. Espartilho cintado até aos seios que apertados se escondiam prestes a explodir.

À noite o Rei mata-se. O seu corpo repousa enforcado sobre o seu tapete vermelho que se enrola até quase lhe tocar nos pés.
Era dia de olhar para dentro. O dentro era fora.

Tuesday, June 22, 2010

Mariana

Junta-se simpatia e amabilidade
Justiça e singularidade
Doçura e amizade
Inteligência e perspicuidade

Acrescenta-se o sorriso, que é tão bem dado
As bochechas em cada lado
As orelhas como adereço
E os olhos com muito apreço

Espalha-se em tudo um castanho de mulher
E outros mais tons se se puder
Amolga-se com carinho e com virtude
Pois na beleza não se quer quietude

De sardas polvilha-se o resto, como se de fina canela se tratasse
Vai ao forno dos amigos, e isto tudo sem que se amasse
Depois quer-se bem quentinha p'ra ao convívio se poder dar
Saiu tão bela e formosinha

Quem não quererá trincar?

Sunday, May 30, 2010

Acaba Tu

Janelas da cidade
Cospem fogo pela madrugada
A vida comprida vê-se finita
Na ponta de um cigarro

Os pés, encruzilhadas de pulsações
Revestem de simplicidade
O futuro que ainda escuta

Violas sem som
Calam cinzentas as muralhas de um louco
Almas surdas e secas invadem o campo
Onde se batalham as vontades

Poemas escritos, sons
Liberdade
Uma mistura fina de tudo isto
E agora para acabar, acaba tu.

Friday, April 30, 2010

A Terra que a Terra tem

A terra que a terra tem
Tem por dom ser farta em vida
Na terra que a terra tem rebenta a semente escondida
Na terra que a terra tem todos os mares se deleitam
Na terra que a terra tem as árvores todas se enfeitam

E nós somos andarilhos, feitos à parte noutro lado
Somos casas e sarilhos sobre um manto asfaltado
Cuspimos, investimos, construímos ninguém rejeita
Fechamos, intubamos em conjectura perfeita

A terra que a terra tem está aqui, em todo lado
A terra que a terra tem é mais que um circulo fechado
A terra que a terra tem
Tem por dom ser farta em vida
Minha, tua e vossa
É de todos, não de ninguém
A terra que a terra tem


Wednesday, April 28, 2010

Passos em Volta



Lindo... Lindo...
Parabéns a quem fez a montagem.

Tuesday, April 20, 2010

Parece-me

Não tenho escrito.
O tempo prescreve que não o faça
E a luz tem-se confinado nas sombras,
As suaves pausas têm-se feito rogadas
E nas mãos não mora a calma de antigamente
Não sei mais distinguir a simples queda, do profundo abismo
Nem a conversão simbólica do dia pela noite
Valia mais pedir que os dias ceifassem o viço que resta aos movimentos
Ou que o vento simplesmente deixasse de soprar, deixando cair os aviões, os pássaros e as nuvens.
Mas não... não vale a pena parar... É tarde de mais para isso, parece-me...

Monday, March 15, 2010

Olhos Castanhos

São puros traços de mel
Pós de ocre sem segredos,
Há dos grandes, dos pequenos
Dos simples, e com enredos

São esferas sinceras
Guardiãs da intimidade
Luzidias esperanças, quimeras
Fogo terno em fieldade

Estão a par, lado a lado
Em perene cumplicidade
Vagueiam à sorte, com vontade
Astutos halos da cidade

Dão vida aos locais, aos retratos
Às lojas e aos sabores
São presentes, nunca ausentes
Companhia nos amores

Thursday, February 25, 2010

Paris

Um ceptro popular no dorso de uma terra
Um afluente humano de veias viçosas
Um leito fino, imponente
Um verso próprio diferente
São as muralhas dos Deuses
E as tertúlias da carne a seus pés
Os púlpitos divinos e seu revés
As casas compostas de varandins, ensaiadas
As figuras depostas de seu trono aladas
E a força de uma pirâmide que guarda a plenitude
Da façanha à extravagancia, da desgraça e da virtude
São as linhas confusas alicerçadas com vaidade
Que servem de estaca, dorso e alma aos humores desta cidade


Paris, 21 de Fevereiro de 2010

Wednesday, February 03, 2010

Nunca é tarde para se Ter uma Infância Feliz

A gente já não sabe o que há-de fazer com a lua
gerou-se um curto-circuito no canal telepático
e a caverna clandestina por detrás da cascata
onde os amantes se entregavam à eternidade
hoje não passa dum moderno armazém de sucata

Existem mil produtos para encher o vazio
criámos computadores para ampliar a memória
e todos nós temos disfarces para aumentar a confusão
só não sabemos como fazer o amor durar
o grande enigma continua a dar-nos cabo do coração

"Olá, a que horas parte o teu comboio?
O meu é às cinco e trinta e três
Aida falta um bocado,

queres contar-me a tua história?
Espera, deixa-me adivinhar,
vais recomeçar noutro lado...
Trazes escrito na bagagem
que a coisa aqui não deu...
Quanto a mim, também me sinto um pouco
desenraizado...

Também o amor se adapta às leis da economia
investe-se a curto prazo e reduz-se a energia
e quando o barco vai ao fundo ninguèm quer ser culpado
mas nunca é tarde para se ter uma infância feliz
o cavaleiro solitário ainda sonha acordado
AIÔ - AIÔ - AAAAAHHH!

Jorge Palma - 1985

Friday, January 29, 2010

Inventada Solidão

Não sei se é do tempo, que traz este vento
Ou da cidade que bebe este som
Não sei se é da vida que nos dá sustento
Ou da morte escassa em movimento

Hoje devia ter ido à praia ver as gaivotas. Sentar-me a olhar o mar, a ver os namorados a passear de mão dada e os pescadores. Não fui, pois não, bem sei...
Não há espaço que possa conter toda a solidão humana, nem tempo que possa delimitar os vértices das sua dimensão.
Hoje estive só. Nem sei bem porque é que estes pequenos actos se revelam tão inspiradores... Será porque alguém se lembrou de os incluir nos filmes desta forma?
Ou serão apenas as únicas partes em que julgamos ser nós próprios - "nós próprios" - deve representar o papel que desempenhamos durante a maior parte do tempo? Ou, por outro lado, será mais genuíno o tempo em que simplesmente representamos para nós próprios.
São os padrões que tornam esta abstracção impossível...
É triste e estranho constatar que agora, também há regras para se estar só. E elas estão lá, fazendo-nos companhia na nossa solidão.

How Many