Thursday, August 27, 2009

Os corpos falam na imensidão de um beijo
Os sentidos rosnam, as paredes debruçam-se
Os braços acolhem a solidão
Num fiel espasmo universal
A razão distinta das mãos escorrendo
Descendo o leito, caminho perfeito
O coração aperta estreito
A espiral da vida num desmaio difuso
Uma cegueira desmedida
As palavras ecoadas em sombras incandescentes
Cúmplices sigilos, abafados mordidos
A conjectura das sensações na ponta dos dedos
Os estados subindo e descendo
O corpo morrendo com sua alma
Os olhos fixos num ponto nu
De volta, por fim, a calma.

Wednesday, August 26, 2009

Basta olhar

Não é preciso o mundo lá fora
A batalha é travada cá dentro, sempre
Nas cores, nas formas, nas ânsias e nos desejos
Manda o nosso fundo, a nossa índole, a nossa nobre alma

É destes pequenos feitos interiores que trata a vida
É esse o seu sustento
Cegos são aqueles que lhe inventam outro sentido principal

Hoje vejo claramente, embora de forma efémera
A larga diferença que separa o ver do olhar
A vasta fronteira, que distingue realidades

Olhar, saber olhar
Através do ser
Transformar o vento, os sons, os aromas num palato universal

Quando cada um encontrar o seu nobre sentido próprio
Encontrará de facto o sentido da sua existência
Basta olhar...

Saturday, August 22, 2009

Passam os dias, passam as horas

Passam os dias, passam as horas
E os olhos presos num ponto balançam
Aguçam a esperteza clara de quem há muito não vê o sol
Gigantes pérolas cintilantes, luzidias esperanças

Na vidraça a cara louca de uma mulher perdida
O soalho pendendo para debaixo dos armários
As portas rangendo às vontades do vento
As cortinas acenando em mostras de sua fúria

Passam os dias, passam as horas
O corpo prostrado na velha cadeira de pau preto
As formas pesadas fazendo parte da mobília

Os retratos familiares em fino fio dependurados
Pendendo seus rostos ao centro da mesa
Um rodopio que arrepio trazendo o frio de volta ao corpo

Passam os dias, passam as horas
Noite dentro, dia fora
O corpo sentado, inerte
Por fim - morto.

Thursday, August 13, 2009

Turno da Noite

Os passos sós pelos lances de escada soada, estalavam a memória dos passos rotineiros que por vontade ou por escantilhão eram dados. Os barcos largavam o cais para uma ultima demanda, e o nevoeiro regressava abraçando a cidade de lés a lés. Os casacos compridos e pesados eram o mote meteorológico essencial para um qualquer transeunte estabelecer na sua cabeça que as noites por aqueles lados eram frias. Os sinos tocavam uma ultima vez, os bares cerravam as portas, as esposas inquietas a janela, deixando uma frincha, para ver da chegada do marido bêbado; chegavam as difusas luzes de rua que se acendiam para sempre, e os relâmpagos a par dos sons de batalhas longínquas. Ele como sempre, travava o ultimo golo da sua garrafa companheira amêndoa amarga, penteava os cabelos grisalhos no velho espelho, fitava-o em pose tossindo por dentro num entoar nobre, sorria e seguia esguio, escovando os ombros do velho casaco da marinha mercante. Abria a porta de velha madeira vermelha comida pelo tempo, fazia o soalho ranger lentamente e seguia em passo distinto. A rua deserta, as pombas deitadas nos umbrais, as gotas pingando de par em par nas goteiras. A fina luz da lua saudando o seu encovado mas de fino traço olho azul, mala às costas, um passo, rua abaixo, para ele havia começado o turno da noite.

Saturday, August 08, 2009

?

Bravo, revolto, batido, mexido

As palavras limitadas ao escasso soletrar de bolhas de ar
E a força imensa do tridente de Poseidon

Um poder que não dorme, que não descansa
Uma fera indomável, que não amansa

O espelho da porta para os deuses
E para os que depois de vivos escolhem lá viver, uma passagem certa

Uma manta de tão cheia, uma coberta
Dois pilares numa porta que é Atlântida

Casa de um povo por descobrir
Que teme os céus ao se abrir

Tudo isto num caldeirão de neon redondo
Puro azul difuso...

E... afinal... estarei eu a falar do quê?

How Many