Monday, July 12, 2010

Era dia de olhar para dentro

Era dia de olhar para dentro. Os detalhes do pão que se amassava sobre a mesa eram visíveis até ao pormenor microscópico. No castelo, o Rei aborrecia-se a ver o pobre bobo que se esforçava para repetir sempre a mesma coisa com aquela expressão de doloroso divertimento. Uma criada fazia amor com um guarda, nas catacumbas onde se armazena a farinha. As ratazanas fugiam assustadas para o esgoto que se debruçava em cascata sobre o rio. O rio corria em fino deleite em direcção ao dorso verde que o conduzia em braços até ao mar. Certa princesa lia sob a sombra das laranjeiras floridas que a guardavam de toda a perversidade do mundo. Os cavaleiros ensaiavam batalhas ao som das trovas épicas que entoavam a par de um bandolim já bebido.
Os cães cheiravam-se. A panela negra já fervia na fogueira com o almoço dos homens.
A pureza rosada da terra desvanecia-se nas faces rosadas de uma jovem. Espartilho cintado até aos seios que apertados se escondiam prestes a explodir.

À noite o Rei mata-se. O seu corpo repousa enforcado sobre o seu tapete vermelho que se enrola até quase lhe tocar nos pés.
Era dia de olhar para dentro. O dentro era fora.

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